Autonomia administrativa

Ao longo dos mais de 10 anos ensinando sobre redes de computadores e a Internet fui modificando, aos poucos, a forma de introduzir os estudantes acerca do que é a Internet. Uma das coisas que passou a chamar minha atenção ao longo dos anos, e que tento trazer aos estudantes, é que a Internet não parece ser somente mais um meio de comunicação dentre muitos que existiram ou que (ainda) existem como o telefone, o telégrafo ou a televisão. 

A Internet se apresenta como algo diferente porque nas bordas deste meio de comunicação estão elementos de computação bastante sofisticados que permitem a execução de tarefas complexas, e nós já tratamos disso quando falamos do argumento fim-a-fim. Contudo, a Internet difere dos demais meios de comunicação principalmente por causa dos princípios de projeto que regem seu funcionamento. 

Embora a Internet seja um sistema complexo - e, como tal, suas características principais emergem da atuação e interação dos diferentes componentes que a formam, num esquema auto-organizável -, existem alguns princípios muito básicos que determinam a forma como ela funciona. O próprio argumento fim-a-fim é um destes princípios. Outro é o princípio do melhor esforço que determina que o núcleo da rede não oferece garantias no encaminhamento do tráfego. Mas existem outros.

Neste artigo queremos tratar um pouco sobre o princípio da autonomia administrativa. Antes de entendê-lo é importante lembrar que a Internet não é exatamente uma rede única, mas uma rede de redes, daí vem o nome Internet que é uma abreviação de internetworking, uma junção de inter + networking

Em outras palavras, o que estamos querendo dizer é que as redes das provedores de serviço internet (as empresas de telecomunicações), dos provedores de conteúdo (as empresas que criam ou disseminam conteúdo), dos órgãos públicos, das empresas privadas e, até mesmo, a rede doméstica que você está usando agora se juntam para formar a Internet.

Tudo isto não é por acaso. A Internet baseada em TCP/IP surgiu como uma alternativa para resolver o problema de interoperabilidade entre as tecnologias de redes de pacotes que começavam a surgir. Estas tecnologias tinham o propósito de resolver o problema de comunicação dentro das redes enquanto o TCP/IP surgiu para resolver o problema do compartilhamento de recursos e informação entre redes diferentes. Isso é discutido no artigo seminal A Protocol for Packet Network Intercommunication de Vint Cerf e Bob Kahn, publicado em 1974 e que introduziu o que seria o TCP/IP (que era chamado apenas de TCP neste artigo).

Observe que há uma premissa escondida por trás do que falamos. Ora, uma forma "simples" de interconectar redes seria fazê-las falar a mesma "língua", isto é, o mesmo protocolo. O TCP/IP é diferente porque quis ser uma solução de interconexão de redes que mantém as "línguas nativas" e a organização de cada rede que o utiliza. Este é, na verdade, o princípio da autonomia administrativa na Internet, ou seja, o dono de cada rede tem liberdade para determinar como esta será configurada e organizada. 

Cada provedor, organização e rede é livre para administrar a si mesmo da forma que desejar, podendo adotar as tecnologias, topologias e protocolos que forem adequados aos seus recursos, tamanho e necessidades. Além disso, esta rede não precisa sofrer mudanças radicais de forma a manter conectividade com outras redes, basta que seus hospedeiros e roteadores implementem a pilha TCP/IP.

Outra vantagem do princípio da autonomia administrativa é que uma rede pode crescer e se modificar sem que as suas redes vizinhas precisem saber, ou seja, as redes que a ela se interligam não sofrem qualquer impacto administrativo. Basta ver que você não precisa avisar seu provedor de que deseja ligar mais um computador em sua rede local. Você simplesmente o liga, configura-o, eventualmente configura sua rede e pronto, o novo computador está apto a usar a rede.

Como se pode ver a autonomia administrativa é um importante requisito para o funcionamento da Internet e, de certa forma, este princípio ajudou a moldá-la para alcançar a escala que tem hoje. Dar autonomia a cada rede e exigir apenas um conjunto mínimo de requisitos, garante que qualquer rede possa se juntar à Internet. Isso permite que, ao longo do tempo, mais e mais hospedeiros possam se juntar a ela, aumentando seu valor.

E então, já conhecia esta princípio? Gostou de saber mais sobre ele? Deixe nos comentários a sua opinião ou se ficou alguma dúvida. Até a próxima.

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