Estratégias de propaganda em rede

Em artigo anterior discutimos como descobrir os nós mais importantes em uma rede complexa. Vimos que não há uma definição única de importância e mostramos três formas diferentes de computarmos a centralidade de um nó. Vimos ainda que cada uma destas formas pode ser mais adequada ao uso que queiramos fazer da rede.

Um dos usos destas medidas de centralidade é a campanha de marketing. Nós sugerimos isso brevemente no artigo anterior quando falamos sobre a possibilidade de usar a centralidade do grau para determinar um bom indivíduo para divulgar uma promoção relâmpago sobre uma marca, produto ou serviço (aqui usarei o termo produto, mas a priori a discussão é válida para serviços e marcas). A vantagem do grau neste caso é que teremos certeza que um elevado número de pessoas serão impactadas em um breve intervalo de tempo.

Contudo e se uma empresa demandar um trabalho mais duradouro, ao longo do tempo, em que as pessoas passem a usar o produto e espontaneamente divulgar a adoção para suas redes? Esta é uma estratégia de propaganda em que um conjunto de influenciadores, selecionados sob algum critério, são escolhidos (e talvez pagos) para adotar o item e periodicamente fazer divulgação. Assim, um sub-conjunto dos contatos destes influenciadores passam a ter o mesmo comportamento e isso se multiplica pela rede. Esta estratégia é mais lenta, mas pode trazer resultados no longo prazo, com a retenção destes clientes.

Mas o que impacta na adoção de um produto? Na prática, diversos aspectos como preço e atratividade do produto são naturalmente importantes. De forma geral, quanto mais barato e mais atrativo o produto, mais facilmente uma pessoa o adotará. Outra variável desta equação é a própria pessoa, já que algumas pessoas são mais suscetíveis a adquirir certo tipo de produto, enquanto outras são mais resistentes.

Contudo, a maior contribuição dos estudos de redes sociais e da ciência de redes é mostrar que sua adoção de um produto é também influenciada pelas pessoas com quem você interage, isto é a adoção depende também da rede. Em outras palavras, podemos dizer que existe uma componente social que impacta fortemente na decisão de adotar ou não um produto, e é por isso que as estratégias de propaganda em rede são eficazes.

De modo geral, quanto mais pessoas em seu círculo de amizades adotam o produto, maior a chance de você também adotá-lo. Na realidade, entram inclusive outros fatores como a força da relação de amizade, algumas pessoas terão maior influencia sobre você do que outras, a depender da proximidade que vocês tenham.

Neste artigo queremos mostrar o funcionamento de algumas estratégias básicas de propaganda em rede, baseadas nas centralidades que vimos e em alguma intuição. A ideia aqui não é fornecer uma solução, mas discutir as ideias que moldam um plano de marketing em rede.

Para isso vamos usar um modelo muito simples onde uma empresa quer divulgar um único produto para que seja adotado pelas pessoas. Cada pessoa na rede tem apenas duas opções adotar ou não o produto. Em nosso modelo um nó ou adotou o produto ou não o adotou. Nós vamos então começar escolhendo um nó para que ele adote o produto, este será nosso primeiro "convertido". 

Em seguida iremos verificar, em passos de tempo discretos, se cada um dos vizinhos de um convertido também se converte. Para isso usaremos uma definição simples: a pressão de conversão. A pressão de conversão sobre um indivíduo é dada pela fração dos vizinhos que já adotaram o produto, variando então entre $0\%$ e $100\%$. Portanto, neste modelo vamos estudar apenas o efeito do número de vizinhos convertidos sobre um indivíduo, desprezando aspectos de preço, atratividade, gostos pessoais e força das interações.

Também definiremos um limiar de conversão, isto é, um valor a partir do qual o indivíduo adotará o produto e passará a influenciar seus vizinhos. O valor deste limiar será pré-determinado e homogêneo sobre toda rede.

Assim, considere a rede estrela abaixo. Nela os nós que adotaram o produto são representados em azul claro, enquanto que os nós de cor vermelho claro são aqueles que não adotaram o produto, incluindo o nó central. Assim, queremos determinar se o nó central adotará ou não o produto. No momento, a pressão de conversão sobre o nó central é de $50\%$ (4 nós convertidos, sobre 8 nós vizinhos). Assim, se o limiar de conversão dos nós da rede for de $80\%$, este nó não se converterá. Já se o limiar fosse $50\%$ ou menos, o nó central se converteria.

Agora vamos usar este modelo simples para ver como a adoção de um produto se espalha sobre uma rede. Para isso usaremos a rede pipa de Krackhardt, que empregamos nas análises de centralidade do artigo anterior. Vamos também assumir que o limiar de conversão de todos os nós é de $40\%$.

As figuras abaixo mostram o que acontece quando apenas um nó é convertido. Neste caso, escolhemos Heather e vemos que apenas ela está convertida no tempo $0$, que seria o início do processo. Quando chegamos ao tempo $1$ (o tempo é abstrato neste modelo, e significa um tempo suficiente para que Heather interaja com seus vizinhos divulgando o produto), apenas Ike foi convertido, já que a pressão sobre ele é de $50\%$. Os demais vizinhos de Heather permanecem inalterados, porque a pressão sobre eles não é suficiente. Por fim, no tempo 2, atingimos o equilíbrio deste exemplo, quando Jane é convertida. Chamamos este estado de equilíbrio, porque os estados dos nós da rede não mudam mais.

Mas por que será que Heather não conseguiu influenciar mais nós da rede? Observe que os nós que Heather tenta influenciar (Fernando e Garth) são muito conectados (i.e. são influenciados por muitas pessoas) e formam um grupo coeso, isto é, com um alto coeficiente de aglomeração. De certa forma, a comunidade a que eles pertencem os ajuda a não adotarem o produto.

Mas o que a empresa que está divulgando o produto poderia fazer então? Uma estratégia seria melhorar o preço do produto, por exemplo. Um preço mais baixo impacta diretamente no limiar de conversão dos nós da rede. Então vamos assumir que a mudança de preço provoque uma redução do limiar de conversão para $20%$.

As figuras abaixo mostram um comportamento totalmente diferente da conversão dos nós. Já no tempo 1, Garth e Fernando são convertidos dado que a pressão sobre eles é de $20\%$ ($1$ vizinho convertido de um total de 5 vizinhos). Em seguida, no tempo 2, o trabalho de Garth e Fernando são suficientes para converter todo o grupo que antes estava isolado. Produto melhor, mais conversões!

Contudo, nem sempre é possível manipular a atratividade e preço de um produto a ponto de baixarmos o limiar de conversão pela metade. Então como podemos aproveitar o conhecimento que temos da rede para fazer algo diferente, mantendo o limiar de conversão em $40\%$? 

Uma estratégia seria trabalhar para enfraquecer as ligações entre os nós do grupo, mas no caso de redes sociais esta abordagem é eticamente questionável, e por isso vai ficar fora de nossa análise.

A outra estratégia é escolhermos melhor os nós que iremos converter inicialmente. Que tal usarmos então as medidas de centralidade? Para isso preparei a tabela abaixo, onde mostro o ranking dos nós da rede de Krackhardt ordenados de acordo com a centralidade de grau, centralidade de proximidade e centralidade de intermediação (no artigo anterior mostramos como chegar neste resultado).

RankingGrauProximidadeIntermediação
#1DianeFernando,GarthHeather
#2Fernando,GarthDiane,HeatherFernando,Garth
#3Andre,BeverlyAndre,BeverlyIke
#4Carol,Ed,HeatherCarol,EdDiane
#5IkeIkeAndre,Beverly
#6JaneJaneCarol,Ed,Jane

Considere apenas os primeiros lugares de cada centralidade e observe o que acontece.

Convertendo Diane (centralidade de grau) vemos que o equilíbrio é o próprio estado inicial, porque Diane, a despeito de sua alta conectividade, não consegue mudar a opinião de seus vizinhos sozinha. A pressão sobre todos eles é menor do que $40\%$. Novamente, a coesão do grupo ajuda os indivíduos a manter a opinião geral, mesmo diante de um alguém com opinião diferente.

Se convertermos Garth ou Fernando, usando a centralidade de proximidade, teremos resultados similares ao de Diane, onde a rede entra em equilíbrio no estado inicial (apenas Fernando ou Garth convertido), e nenhum nó muda de opinião. Mesmo dois indivíduos não foram suficientes para mudar a rede.

Finalmente, se convertermos Heather, devido à centralidade de intermediação, já sabemos o resultado de que o equilíbrio é obtido após dois intervalos de tempo, com 3 nós mudando de opinião (Heather, Ike e Jane). Observe que, neste caso, a centralidade de intermediação de Heather nem é tão importante. Importa mais o fato de que Ike e Jane têm pouquíssimos vizinhos, o que os torna mais suscetíveis a este tipo de influência.

Observe que em nenhum dos casos conseguimos influenciar mais que $30\%$ da rede. As medidas de centralidade sozinhas não são eficazes neste tipo de campanha de marketing. Isto nos remete diretamente a uma próxima pergunta: e se a empresa convertesse mais nós inicialmente? Ou seja, se  escolhêssemos mais nós inicialmente, seria possível este mecanismo de adoção atingir o máximo possível de nós (talvez a rede toda), no menor tempo possível e com o menor custo possível?

Opa, custo! Nós não falamos de custo até agora, né?

Neste caso, imagine que para a conversão inicial a empresa tenha que despender uma certa quantia, que será maior quanto mais nós forem escolhidos e quanto mais conectado for um nó. Note que o grau é uma medida conhecida pelo próprio indivíduo (diferente da proximidade que depende do conhecimento da rede toda) e que naturalmente um indivíduo vai cobrar mais quanto maior for seu grau. Portanto, temos de considerar o custo, sob pena de termos uma solução inviável economicamente.

Observe que das soluções apresentadas para conversão inicial de apenas um nó, Heather é a que traz melhor custo benefício, já que impacta mais nós e possui grau 3, contra o grau 6 de Diane (ela é a celebridade desta rede!) e o grau 5 tanto de Fernando quanto de Garth. 

Este problema poderia ser modelado como um problema de programação inteira e resolvido. Contudo, vamos usar as centralidades como uma estratégia e avaliar se os resultados encontrados são bons. Para centralidade do grau converteremos Diane e Garth (o resultado com Fernando seria o mesmo), para a centralidade de proximidade converteremos Fernando e Garth e para centralidade de intermediação serão Heather e Garth (ou Fernando, dá no mesmo). 

Abaixo mostramos o número de convertidos em cada intervalo de tempo para cada centralidade nesta ordem da esquerda para direita (ou de cima para baixo, se estiver em uma tela menor): grau, proximidade e intermediação. Como se pode ver, a centralidade do grau ofereceu o melhor resultado, conseguindo converter a rede inteira em 4 intervalos de tempo. Mas a que custo?

Se tomarmos o custo como a soma do grau dos nós escolhidos temos que para centralidade de grau o custo é 11, para a centralidade de proximidade o custo é 10 e para a centralidade de intermediação o custo é 8, nesta rede. Em outras palavras vemos que embora tenha obtido melhor resultado, a centralidade de grau também é a mais cara das estratégias.

Mas então, será que temos uma solução melhor nesta rede? Sim, para o limiar de conversão em estudo, se escolhermos Ed (ou Carol) e Heather como convertidos iniciais, temos um resultado equivalente ao que obtivemos com Diane e Garth, atingimos a rede toda em 4 intervalos de tempo, como mostra a figura abaixo. Mas tudo isso com custo de apenas 6.

Como se pode ver, a solução ótima depende muito mais do que olhar apenas para as centralidades, pois é preciso considerar, além de características do produto, preço, atratividade etc, a forma como a rede está arranjada. Neste caso, convertendo nós aparentemente inexpressivos e baratos (grau baixo), conseguimos converter toda a rede. Isso acontece porque a posição destes nós é suficiente para converter Garth (ou Fernando) já no primeiro intervalo de tempo, permitindo a subsequente conversão de cada um dos outros nós do grupo coeso.

O fato é que as estratégias de centralidade sozinhas não revelam muito sobre este problema, e a intuição parece ser olhar para o poder combinado dos nós sobre os grupos e indivíduos relevantes, que vão ajudar a propagar mais rápido. 

Como se pode ver, fazer propaganda em rede efetiva não é trivial e exige bastante conhecimento do público alvo e de sua respectiva rede. Se tiver alguma dúvida ou ideia, de repente você já trabalhou com esse tipo de coisa, deixe aí nos comentários e vamos evoluir esta discussão.

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